As análises e contra-análises feitas sobre o resultado das últimas eleições legislativas, maioritariamente, pelos mesmos, têm abundado na praça pública televisiva. Os nossos respeitados comentadores deixaram, por ora, descansar o Putin e passaram a massacrar os deputados eleitos, os números de votos, as percentagens, o Pedro Nuno Santos, o PS, os eleitores.
Têm-se esquecido, todavia, daquele que foi, provavelmente, o maior responsável deste resultado: António Costa.
O ex-primeiro-ministro abandonou o governo por causa de um parágrafo escrito pela Procuradora-Geral da República, numa atitude "patriótica e de esquerda", como frisaria Gerónimo de Sousa. Todos nós aplaudimos a nobreza do gesto, a verticalidade do caráter, o desapego do homem. Acontece que António Costa não só abandonou o governo, como também abandonou o país. Haja coerência: se não se sentia mentalmente desanuviado, sem sombras externas no que diz respeito à sua retidão, para desempenhar a sua alta função de chefe de governo da República, por que carga de água, qual José Luís Carneiro, se foi colocar em bicos de pés ao lado das senhoras de Bruxelas, culminando, no fundo, uma lenta campanha de afetos que perdurou, praticamente, durante toda a "sua" maioria absoluta (lembro-me de o ver sentado ao lado de Órban, num desanuviado estádio de futebol; lembro-me da paciente narrativa orquestrada pela nossa comunicação social que davam Costa como um dos mais prestigiados políticos europeus, o homem certo para os zénites da União Europeia). Convém não esquecer: António Costa abandonou o país ao leme (termo cavaquista agora reabilitado) de um governo de maioria absoluta!
O que podia fazer Pedro Nuno Santos? Pouco! O que podia fazer André Ventura? Muito!
A perceção dos portugueses foi a de que António Costa não tinha razões objetivas para tomar a decisão que tomou. Como diria o Diácono Remédios, "não havia necessidade". Essa perceção confirmou-se, na noite eleitoral, com a vitória da AD, apesar da tenebrosa sombra da Spinumviva de Montenegro, um caso incomparavelmente mais grave. Para além disso, já estamos todos calejados de primeiros-ministros que abandonam, sem qualquer vergonha, um dos mais honrados cargos políticos que os eleitores outorgam. O mestre de obras, neste campo, chama-se Durão Barroso.
Daí que, perante este vergonhoso rotativismo de caráter dos líderes dos dois principais partidos, a fava calhou ao PS, pois era o que estava "mais à mão de semear". Na verdade, a improbabilidade de um partido com 11 meses de governação ser derrotado era praticamente nula. No mesmo sentido, a probabilidade de um partido com os mesmos 11 meses de governança alcançar uma maioria absoluta era praticamente certa. Por conseguinte, PS e PSD foram os derrotados da famigerada noite eleitoral.
Assim, estou propenso a crer que será uma questão de tempo para o Chega ganhar as eleições, se estes senhores do "arco do poder" (a indecência da expressão diz tudo) não alterarem a sua forma de pensar e, sobretudo, de agir.

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